31/12 - Aniversário da mãe e da santa
Veja o que liga Patti Smith e Rita Lee, aniversariantes do dia
Para leitura, sugiro ouvir Gloria (Patti Smith) e Shangrila (Rita Lee).
Estou começando a escrever a última newsletter de 2021 no penúltimo dia do ano. Pensei em deixar para 31/12, mas achei bem arriscado não dar tempo e essa é bem especial. Na data quando se comemora o fim e o recomeço estabelecido por um tipo de calendário, duas gigantes nasceram, em anos diferentes: uma de 1946 e a outra 365 dias depois.
O que elas têm em comum além do dia de seus aniversários, dos sobrenomes, da paixão pelas artes - que ambas usam como arma para mudar as feiuras desse mundo -, do amor pelos animais e da luta pelos seus direitos? Ambas se tornaram grandes ícones da cultura rock.
Todas as linhas dessa news são para Patti Lee Smith e Rita Lee Jones. Não poderia passar em branco o septuagésimo quinto e septuagésimo quarto aniversário, respectivamente, dessas queridonas. Apesar de cada uma ter nascido em hemisférios paralelos, cada uma dentro da sua realidade construiu um mundo que em alguns momentos se cruzaram e construíram uma estrada para os futuros andarilhos artísticos.
Patti é de Chicago, criado na zona rural de New Jersey. Rita, paulistana, da Vila Mariana. As duas são de famílias tradicionais, que incentivam a cultura como hobby, mas acreditavam que o futuro não estava nos palcos. Mas quem consegue bater de frente com o destino ou com a vontade de delas de viverem das suas artes? Predestinação ou desejo, no final, o que as fizeram foi uma determinação inconsciente levada pelos acontecimentos inesperados e oportunidades abraçadas.
Patti começou sua jornada em Nova York ao lado do seu fiel escudeiro Robert Mapplethorp; Rita teve como parceiros iniciais os irmãos Batista nos palcos dos festivais de São Paulo. Tudo era descoberta, fosse no Hotel Chelsea (ícone da arquitetura e contracultura novaiorquina) ou na casa da Serra da Cantareira, onde, respectivamente, Smith e Rita, descobriram um mundo até então inimaginável.
Pelos corredores do Chelsea e no quarto (acho que 200 e alguma coisa), Patti iniciou-se artisticamente com seus poemas e o teatro, descobriu o amor carnal com Mapplethorp (antes platônico pelo escritor Arthur Rimbaud), conheceu personalidades artísticas do momento como Janis Joplin, Stanley Kubrick, Andy Warhol, Bob Dylan e o mais importante, percebeu que para ela viver continuar fazendo arte era tão importante quando respirar.
Rita também teve suas descobertas na época da casa da Cantareira. De palco em palco, festival em festival, viu sua carreira se construir, com um som experimental, sarcástico que faria parte de um dos movimentos culturais mais importantes desse país e do mundo. Se Patti conheceu Joplin, Dylan e Kubrick, Ritoca andava com Gal, Gil, Torquarto Neto. O amor e as drogas também foram descobertas desse momento, assim como as decepções , a exemplo do “convite" a se retirar dos Mutantes porque os rapazes queriam partir para um rock mais progressivo. Como ela também precisa da arte para sobreviver, foi para o mundo se refazer desse golpe e voltou de Londres linda, ruiva e pronta para recomeçar.
Taí! Recomeços é outra coisa em comum às duas aniversariantes de hoje. Depois do teatro, dos poemas, de algumas performances, Patti montou uma banda. Não é que Rita também montou aqui no Brasil? Patti tinha Lanny Kaye em seu grupo; Rita tinha no Tutti-Frutti Luis Sergio Carlini; exímios guitarristas. Neste caso, a única diferença é que Kaye continua acompanhando Patti até hoje desde 1975, o contrário o que aconteceu com Carlini.
Por outro lado, a Santa Rita de Sampa tem consigo Roberto de Carvalho parceiro de música e vida, enquanto, infelizmente, em 1994, a mãe do punk perdeu o esposo e também músico, o guitarrista do MC5 Fred Sonic Smith. As dinastias Lee e Smith deram herdeiros: Beto, João e Antonio do lado do brasão brasuca e Jackson e Jesse do lado do lado da realeza punk americana. Só Rita chegou à terceira geração.
Essas ligações ou coincidências (como queiram) são apenas pontos que eu enxergo entre Patti e Rita para deixar esse texto mais instigante, porque ao analisar a fundo a obra musical de cada uma encontraremos, paradoxalmente, pontuais diferenças e grandes semelhanças, como os temas escolhidos para suas canções. Ao mesmo tempo que temos ironia e sacarmos nas letras, podemos perceber que Patti tinha uma acidez mais acentuada nos assuntos que queria abordar. Racismo, dogmas, problemas climáticos empoderamento feminino sempre foram os seus preferidos, da mesma forma víamos nas composições de Ritoca que sempre gostou de cantar: amor, sexo, feminismo. Foi ela que falou pela primeira vez, na cara da sociedade puritana e hipócrita brasileira, o prazer da mulher na hora da transa em uma música.
Censurada? Putz!!! Quantas vezes… Presa? Também. Mas Rita nunca mudou seu estilo. Personalidade de sobra e o que falta hoje no meio artístico. O tal medo do cancelamento, sabe?
Os livros são intersecções entre elas também.Patti tem 20 obras literárias lançadas, sendo Just Kids ou Só Garotos um dos maiores destaques. O último lançamento dela foi em 2019, O Ano do Macaco, no qual a escritora trouxe memórias sobre os dias após a perda do seu esposo. Uma linda aventura.
Por falar em aventura, o décimo livro de Rita Lee que chegará em janeiro agora -Dr. Alex & Vovó Ritinha: Uma Aventura no Espaço, falará, com ajuda de metáforas sobre a morte; a morte das crianças.
Se não parar agora de escrever corro o risco de ficar aqui escrevendo sobre Patti e Rita até o primeiro dia do último ano desse desgoverno. Uma vez que passamos a conhecê-las mais a fundo, cada detalhe se torna uma tese de tão rico e gratificante.
Obrigada por vocês existirem!!!
Parabéns queridas!!!
Sejam feliz e tenham saúde para continuarem nesse planeta que continua precisando muito da artes de vocês duas para melhorar!!!