A Filha Perdida veio para incomodar
Um drama real tão bem retratado na ficção. Antes no livro, agora nas telas
Para ouvir lendo: Trilha sonora do filme A Filha Perdida
Um filme bagunçado no sentido de não seguir o raciocínio linear dos roteiros cinematográfico. Toda hora quando seguíamos por um lado, a lógica era quebrada, da mesma forma que se quebram os caminhos da vida de alguém que não segue o padrão social.
Em A Filha Perdida , filme da Netflix dirigido por Maggie Gyllenhaal, baseado no livro homônimo de Elena Ferrante (Elena merece uma newsletter só para ela. Aguardem!!!), coloca em ‘xeque’ a relação materna através de situações que nos fazem refletir se realmente para ser mãe a mulher precisa sofrer ou se acostumar com as privações e anulações. Aliás, acho ridícula a frase: ser mãe é padecer no paraíso.
Esses paradoxo estabelecido justifica relações entre mãe e filhas, situações dessa convivência que não dão certo, que fazem sofrer. Obrigam mulheres a aceitarem que ser mãe é o mais sublime e honrosa papel que elas podem ter, mesmo que sofram dores físicas e emocionais.
Nesse longa, as duas mães, Leda (Olivia Colman) - uma professora universitária, solitária, mãe de duas filhas - e Nina (Dakota Johnson) - jovem exuberante que tem uma relação tóxica com o pai da sua única filha, Elena - a todo momento desconstroem a estúpida frase acima mencionada. Não há paraíso naquela angústia apresentada por elas, muito menos na vontade de jogar tudo para cima quando percebem que não é só leite materno que as crias sugam, mas toda a juventude, individualidade, sexualidade.
O encontro das duas se dá em uma praia onde Leda busca descansar de férias, mas acaba encontrando dias que trazem à tona todas suas lembranças. Um flashback que se encontra com a realidade de Nina que acaba buscando uma válvula de escape em uma perigosa porta.
O que é ser uma boa mãe? Quem decide se é errado ou não deixar os filhos aos cuidados de um responsável para cuidar de si?
A Filha Perdida incomoda desde a primeira cena, na sinuosa estrada grega. A trilha assinada por Dickon Hinchliffe cria desperta vários sentimentos no público, da mesma forma que vemos os personagens aflorarem os seus em diversas circunstância. Drama, romance, suspense, até comédia pode ser encontrado nesse roteiro que deve brigar feio no próximo Oscar por uma estatueta.
Faz muito tempo que eu pensei em ser mãe. Talvez ainda estivesse na casa dos vinte anos. Com o tempo fui percebendo que da mesma forma que não devo tirar a minha habilitação por motivos de distração, também não devo ser mãe por motivos de egoísmo. Por isso sou uma mulher ruim. Pior do que outras que são mães? Não. Sou uma mulher de quase 40, consciente do que eu quero para a minha vida. Não quero parar meus planos, ter alguém dependendo de mim. Perde minha tranquilidade e temer para sempre pelo futuro desse ser.
Já ouvi dizer muito que penso assim porque não encontrei a pessoa certa. Essa minha decisão não tem nada com parceiro, pois acredito que qualquer relação, por melhor que ela seja, acaba um dia; mais o filho e sua mãe jamais se desconectarão. Esse desse vínculo perene que estou falando e que não me vejo ter.
Se eu não quero deixar de ser só (não solitária. É muito diferente uma coisa da outra), de fazer tudo do meu jeito, quando e como eu quiser, para quê foi me tornar um ser que perde tudo isso quando ouve pela primeira vez o choro da sua cria?
Acho incrível, um ato de coragem, ser mãe. Admiro quem é, mas cada um na sua.
Várias vezes durante o filme disse para mim mesma: ainda bem que não passo por isso. Eu não aguentaria tanta pressão. Não tenho estrutura.
E não tenho mesmo!!!
Ser mãe não é só uma disponibilidade biológica ou financeira, é algo para além do emocional, do psicológico. Continuo afirmando: parabéns a todas as mães. É um ato de amor e coragem. Mas também é um ato de amor e coragem não querer ser mãe. Amor consigo e com o próximo, no caso um ser inofensivo que não merece ter ao lado uma mulher que não se sente preparada para a maternidade. Balela isso que dizem que toda mãe sabe o que fazer na hora certa e que aprende com o tempo as regras da vida materna.
Sim, é um ato de coragem porque a mulher que assume que não quer assumir essa papel materno recebe uma pressão de séculos nas costas. Críticas, achismos sobre a própria vida que só ela sabe de verdade como é. Preconceito e até um certo ranço.
Mas eu já apertei o botão do foda-se. Mas é claro que não querer ser mãe de humano, não me impede de cuidar de outros seres, não menos dependentes do que as crianças, mas que me enchem mais de amor. Cruel falar isso!!! A verdade é cruel.
Assistam A Filha Perdida quando puderem e voltem aqui para me dizer o que acharam do filme.