Desapego ao fim dos Beatles
...até quando ficarão procurando culpados por algo que jamais seria permanente?
Durante a leitura, sugiro ouvir o disco Imagine, de John Lennon.
Desapego! Nos últimos anos tenho ouvido muito essa palavra e tentado praticar bastante. É um exercício diário que cabe em qualquer circunstância. De acordo com o budismo tibetano, quando aprendemos a nos desapegar, não sofremos. Por exemplo: por que as pessoas sofrem com o término de um relacionamento? Porque elas ficam apegadas ao que viveram e a ideia do que poderia ser aquela história. Lógico que dói se separar de alguém que gostamos, mas nada é para sempre e não podemos controlar os sentimentos dos outros; o fim de um relacionamento, seja ele qual for, é um recomeço para o que nos espera, havendo sempre espaço para novas oportunidades, novos encontros, nova vida. Mas ninguém ver por esse lado e aí, haja sofrimento.
Semana passada tava levando essa reflexão para o lado musical, analisando como os fãs se comportam quando a sua banda preferida se separa, tal qual aconteceu com os Beatles. Sim...esse pensamento surgiu depois da entrevista que Paul McCartney deu a Radio 4 da BBC sobre John Lennon ter sido o responsável pelo fim do grupo em 1969.
Diante da impressionante repercussão, fica a pergunta: o que faz o fim de uma banda - tudo bem que não é uma banda qualquer - ser assunto polêmico até hoje, mais de 50 anos depois? Só pode ser apego!
A fala de Paul exala um tom de mágoa pelo fim. Mas será que ele nunca refletiu sobre a oportunidade que isso trouxe a ele? Estou falando do trabalho com The Wings e depois sua carreira solo? E tempo que teve com sua família, em especial com sua amada Linda. Será que ele não viu que ao seu redor seus outros companheiros também "abandonados" estavam produzindo coisas que com os Beatles seriam impossíveis de serem realizadas? Olha o que George Harrison fez logo depois que saiu do grupo: organizou o show The Concert of Bangladesh para levantar fundos para os refugiados do Paquistão Oriental e conscientizar mais as pessoas sobre o genocídio que aconteceu durante a Guerra de Libertação de Bangladesh.
Entendo quando Paul nesta disse nesta entrevista que os Beatles era tudo para ele: seu trabalho, sua vida. Contudo, ele não existia musicalmente apenas como um beatle - e ele mostrou isso nessas mais de cinco décadas de carreira solo.
Para os fãs se confortarem com “o fim do sonho”, logo buscaram culpados pela separação. Se bobear a pobre da Yoko Ono leva culpa até hoje, mesmo todos sabendo que os quatro já não estavam bem nem como parceiros de música, nem como amigos. Será que valeria à pena eles se manterem juntos por causa de um idealismo do público e desejo da gravadora? O que deve manter um relacionamento, mesmo sendo uma reunião de pessoas em torno de um grupo musical - e que grupo, né?
Será que já se perguntaram o que significava para Lennon ser a cabeça do maior grupo de rock de todos os tempos? Vaidoso do jeito que era, com certeza não foi fácil lidar com o próprio ego. Vários documentos sobre ele, no período pós- Beatles, revelam a sua falta de conexão com aquele mundo onde viveu até a produção do Abbey Road - último disco da banda. A Guerra do Vietnã, onde milhares de jovens de ambos os lados estavam morrendo por um capricho político de Reagan - que não queria ser o primeiro presidente estadunidense a perder uma guerra - foi o estopim para o inflar de vários sentimentos em prol da paz mundial, liberdade, amor entre os povos, igualdade.
Lennon sabia do poder da sua voz e queria fazer dela um instrumento pacificador. Canções, manifestações nas ruas, shows, tudo era voltado para o fim da Guerra do Vietnã e outras causas que promovessem um mundo menos cão. A sua arte ao lado de Yoko não fazia mais parte do show business...Era agora contracultura, contra o mainstream.
John Lennon conseguiu se desapegar daquela vida de astro de rock amado por todos para viver em um mundo onde ela passou a ser perseguido pela CIA apenas por pregar a paz mundial. Da Inglaterra onde compôs Imagine foi morar em Nova York onde foi assassinado por um suposto fã em 08 de dezembro de 1980, quase dois meses (por um dia) depois de completar 40 anos.