Desta vez o Oscar veio para o Brasil
Saiba porquê é certo e errado dizer que Ainda Estou Aqui é o primeiro filme nacional a ganhar um Oscar
Talvez você curta saber que Ainda Estou Aqui não é o primeiro filme brasileiro a ganhar um Oscar. Calma, calma. Eu sei o que estou falando e logo, logo você também saberá. Mas antes de esclarecer essa história eu gostaria de escrever o quanto foi importante recebermos o prêmio de Melhor Filme Internacional, no último domingo, um domingo de Carnaval. Nada mais simbólico do que no meio da maior festa popular do país, celebrarmos uma conquista tão merecida e fundamental para deixarmos de lado, de uma vez por todas, o complexo de vira-lata que carregamos conosco.
Esse complexo é antigo e foi Nelson Rodrigues que criou a expressão “vira-lata” para explicar a síndrome de inferioridade que o brasileiro tem em relação ao estrangeiro.
Neste episódio do Oscar 2025 isso fica novamente evidente porque, mesmo havendo outros filmes brasileiros indicados, em diferentes épocas e na mesma categoria de Melhor Filme Estrangeiro (O Pagador de Promessas, O Quatrilho, O que isso, companheiro? e Central do Brasil), ainda era muito surreal ganharmos a estatueta. Daí o clima de Copa do Mundo ao ouvirmos que o Oscar é nosso.
Espero que agora tenhamos mais confiança em nosso cinema e que o prestígio que lotou as salas de Ainda Estou Aqui continue lotando outras sessões de filmes nacionais. Hoje contamos histórias reais e fictícias com muita qualidade que não deixam nada a desejar às produções gringas. E isso não é de hoje, viu?
Em 1960, o filme Orfeu Negro, dirigido por Marcel Campus e baseado na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, hoje chamado de Melhor Filme Internacional. Apesar de ter sido filmado no Brasil, falado em português e usadas locações do Rio de Janeiro, a obra - um dos marcos do cinema brasileiro - não trouxe a estatueta para o Brasil. Esta foi para a França, pois o filme é ítalo-franco-brasileiro, sendo a principal produtora a francesa Dispat Films.Segundo as regras da Academia, em casos assim de múltiplas nacionalidades na produção, leva a estatueta o país cuja a produtora tem maior participação, regra que deixou a Gemma Cinematografica (produtora italiana) e Tupan Filmes (produtora brasileira) a verem navios, dizendo au revoir para o prêmio.
Por isso, é certíssimo afirmar que Ainda Estou Aqui é o primeiro filme do Brasil a receber o Oscar de Melhor Filme Internacional, o primeiro da nossa história.
Mas, e a Fernanda?
Ninguém esperava que Fernanda Torres perdesse o Oscar de Melhor Atriz para a Mickey Madison. Estávamos preparados para uma eventual vitória de Demi Moore, mas de Madison, jamais esperamos. Contudo, dar o prêmio a Moore seria o mesmo que Hollywood concordar com as severas críticas que o filme Substância faz sobre como as mulheres mais velhas são tratadas pelas indústrias do entretenimento e da beleza. Pensando por esse ângulo, faz muito sentido que a carreira de mais de 40 anos da atriz imortalizada em Ghost não seja reconhecida pela Academia desta vez.
Há quem diga que a escolha por Mickey e não por Fernanda tem mais a ver com questões geopolíticas, pois o Oscar sempre demonstrou prestigiar artistas e produções vindos do hemisfério norte, no entanto, o fato do filme Emília Perez e sua protagonista, Karla Sofía Gascón, também terem sido indicados, contradiz toda essa teoria.
Mas, aos poucos, estamos vendo a Academia do Oscar mais plural, tentando se modernizar e ficar mais próxima da realidade para além do umbigo hollywoodiano.
Para nós, brasileiros que acompanhamos o trabalho de Fernanda Torres, seja na televisão e no cinema, ela sempre foi a melhor atriz daquele quadro e durante a campanha de Ainda Estou Aqui conhecemos uma mulher versátil, culta, pé no chão, que fica honrada por se tornar uma boneca de Olinda.
Agora, vamos combinar que da próxima vez que estiver concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz, Fernanda, minha querida, por favor use tons de rosa claro, já vimos que essa cor ajudar a trazer a estatueta.