Eu ainda prefiro Footloose a São Amores
Para uma pessoa melancólica que sente saudade até mesmo de algo que não viveu, ouvir músicas do passado pode não fazer mal. Talvez aumente a melancolia, a tristeza, a vontade de reviver coisas que quase nunca foram boas. Mas comigo o efeito acaba sendo um pouco o contrário. É claro que eu não serei a porretona que não sentirá nenhum aperto no coração ao ouvir aquela trilha sonora bem anos 80 - como Maniac, do Flashdance. Mas sei que ficarei bem melhor do que estava antes de dar o play.
Sou uma pessoa apegada no passado. Não deveria ser porque sei muito bem o que isso significa para a nossa mente de acordo com o budismo, mas talvez não seja algo racional e, sim, genético, essencial, sei lá, algo que tenha origem em uma parte do meu corpo que a ciência ainda não tenha estudado.
Tento, juro que tento sentir afeto pela música contemporânea. Acho super divertida a nova canção da Pablo Vittar. Me acado de rir vendo os vídeos das pessoas dançando São Amores, mas isso ainda para mim não é o suficiente para eu dizer que gosto de ouvir essa e tantas outras canções do momento. Na real, acho que falta de pertencimento, identificação mesmo. Talvez as pessoas mais animadas e expontâneas do que eu se satisfaçam com músicas que mexam apenas com o seu lado motor. Para mim, tem que fazer sentido emocionalmente, mesmo que seja algo para dançar.
Aí você me pergunta: - E no carnaval de Salvador, atrás do Trio Elétrico, você dança com o quê? Com a nona sifonia de Beethoven? Até poderia, mas entre Luiz Caldas e Igor Canário, eu sigo na pipoca do rei do Axé porque para mim faz mais sentido, eu me conecto com minhas referências…é questão de gosto e identificação como falei anteriormente.
As vezes acho que eu estou na contra-mão da popularidade. Por exemplo, enquanto o povo cai matando na Lana Del Rey e Billie Eilish, eu sou apaixonada por elas. Houve uma identificação melancólica imediata, mas não foi só isso. Vejo nelas, mais em Lana, inclusive, uma aproximação estética com o passado, o mesmo passado que sou vidrada. Por outro lado, o flerte com a modernidade que as duas trazem em suas canções e apresentações completam o que eu gostaria de ver em mais artistas atuais.
Resgatar características estéticas do passado pode até parecer nada original, mas a questão é que entre tanta mesmice, elas acabaram se destacando com algo que me atrai, o que não significa que elas estão certas e os demais artistas errados.
Lembro que quando ouvi pela primeira vez o projeto Silk Sonic, do Bruno Mars com Anderson Paak, foi arrebatador. Aquela pegada setentista no som e na estética visual da dupla, junto com a perspicácia de trazer tudo aquilo em uma época que a música pop não trazia nada de novo, me conquistou de uma forma que passei dias e mais dias ouvindo, assistindo aos clipes e pesquisando sobre a ideia.
Não posso afirmar que alguns artistas se movimentaram para resgatar a vivacidade da música, mas foi um período que muitos deles, além de Mars e Paak, resgataram o passado para suas produções, talvez como forma de revitalizarem seus trabalhos. Olha a Miley Cyrus que lançou um projeto com vários sucessos dos anos 80 (em especial), antes de fechar uma parceria vitoriosa com o produtor Mike Ronson. A sensação que eu tenho é que ao regravar canções como Heart of Glass (Blondie) e Meneater (Hall & Oates) ela oxigenou sua carreira se tornando mais criativa como cantora e performer. Taí, alguns anos depois da música Nothing Breaks Like a Heart (grande sucesso com Ronson) ganhou com a música Flowers, dois prêmios no último Grammy como melhor performance POP solo e Gravação do Ano.
O que eu sinto tem um pouco de saudosismo, de rejeição ao novo que não me comove, mas também tem um pouco de realidade. A pasteurização vivida pelo mundo hoje atinge vários setores da sociedade. Muitas pessoas não querem ser mais diferentes para não correrem o risco de serem rejeitadas. Falar o que pensa se tornou motivo de reflexões severas devido ao medo de ser cancelado por, simplesmente, descordar ou se expressar de forma errada de acordo com as novas regras de boas condutas sociais. Nós só aprendemos, se errarmos, não concorda?
Na produção artista eu vejo muito isso. Se uma música estourou, as próximas serão super parecidas porque time que está ganhando não se mexe. Os figurinos das divas pops parecem que são feitos pelo mesmo estilista. Quem ousa mudar, tem que ter muita coragem e mente forte para não sofrer com os comentários nas redes sociais. Tudo isso para mim é muito cansativo e olha que eu tenho apenas 40 anos.
Mas para botar um ponto final nessa resenha que está se estendendo demais, eu gostaria apenas de dizer que não sou contra os artistas novos. Vibro quando vejo sangue novo surgindo, criando coisas relevantes, afrontando e sacudindo a sociedade porque a música, assim como outras manifestações artísticas, também têm esse papel social: comover as pessoas, tirá-las da sua zona de conforto, fazê-las pensar, interpretar, renascer...
Vimos a prova disso há dois meses: por que você acham que a Madonna continua até hoje chocando as pessoas? Ela ainda é única, autêntica e artisticamente criativa no que faz e na forma como faz.
Depois dos streamings de música eu fiquei ainda mais aberto a músicas novas e sempre ouço coisas que fogem da minha "zona de conforto". A nostalgia faz parte, seja na música ou cinema, séries e afins. Sempre vai ter alguma influencia do passado, o importante é não ficar preso nele. Misturar o passado com o presente é sempre importante. (vou parar porque o comentário também tá ficando longo demais 😂)