Vai ver um filme do Godard.
Algumas semanas sem newsletter e olha quanta coisa aconteceu:
Rock in Rio, 7 de setembro desastroso, mais Rock in Rio, mortes da Queen Elizabeth e Jean-Luc Godard e eleições se aproximando. Nossa!!! Muita coisa para tentar dar conta, então vou focar na perda de Godard, cineasta franco suiço que teve um suicídio assistido aos 91 anos.
Não quero falar dessa escolha sobre como e quando morrer. Não tenho nada a ver com isso e acredito que só diga respeito só a ele. Quero escrever sobre o meu primeiro contato com sua obra. Um contato um tanto quanto tardio e despretensioso - mas ainda bem que aconteceu.
Eu tinha vinte e poucos anos, fazia faculdade de publicidade, era funcionária pública ao mesmo tempo que estagiava na TV pública da Bahia, a TVE.
Puxa!!! Como nessa época eu tinha sonhos de me tornar uma cineasta, no mínimo, uma roteirista de cinema. Apesar de estudar propaganda, não queria conta em ser diretora de comerciais. Meus devaneios eram dirigir longas, fazer produções com grandes nomes, estudar e produzir, mas o máximo que eu cheguei do cinema foi trabalhar no IRDEB com Pola Ribeiro - grande cineasta baiano e participar de alguns festivais e encontros de cinema, entre eles o Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, onde eu vi pela primeira vez um filme de Godard, na edição de 2009, se não me engano.
Fui parar nesse Seminário - o SemCine - sem saber direito quem era Godard, o homenageado da edição. Já tinha ouvido falar e escutado na música Eduardo e Mônica. Como sempre fui muito curiosa culturalmente e adorava uma entrada “0800”, lá fui eu saber quem era esse tal de Godard. Ah!! Também era “cult” dizer que estava em um seminário de cinema. Nessa época, meio da primeira década dos anos 2000, muita gente da cena alternativa de Salvador adorava posar de cult, indo aos cafés de museus para fazer charminho, frequentar lugares badalados e estar ao lado de artistas do audiovisual, música e teatro. Na real, frequentar lugares blasès, em bom baianês “tirar onda” de cabeção intelectual.
Eu tirava minha onda, mas no fundo eu gostava daquela atmosfera do foyer do teatro Castro Alves e das salas de cinema alternativas, como a Sala do ICBA e o auditório da Escola de Teatro da UFBA onde eu vi o meu primeiro filme de Godard. Foi Acossado.
Confesso que não entendi muito no primeiro momento, mas sai dali deslumbrada com aquela fotografia. Ao mesmo tempo que me encantava, sentia um estranhamento. Não estava acostumada ao experimentalismo de Godard, o homem que criou os anos de 1960 como li no dia de sua morte.
Tantas cores, movimentos de câmera, ação e poesia…tudo muitas vezes misturados no mesmo frame. Saía de cada sessão querendo ser mais ainda uma cineasta. Mas tudo não passou de sonhos. Mas no fundo, me tornando uma jornalista, acabo sendo uma cineasta a cada matéria ou roteiro de edição de edição que crio. Contando histórias a partir de fatos. Me tornei uma documentarista do cotidiano.
O sonho de ser cineasta foi passando a medida que eu fui convivendo com alguns e vendo que eu não tinha a paixão necessária pelo cinema para fazer dele a minha vida. Já estava contente em seguir sendo cinéfila, algo que nem sabia que eu era até começar a frequentar esses ambientes audiovisuais.
Com a morte de Godard, morre também um pouco do cinema inventivo, apaixonado, construído nas costas por quem o ama de verdade. Godard era um cineasta não pela quantidade de filmes, mas pelo amor que tinha pela arte de contar histórias.